Dois Cantos

6.10.04

Olá, pessoalzinho! Tudo jóia?
Nooooossa, agora o Kiko me deixou envergonhada!
Mas eu prometo, amor, que vou atualizar esse blog todos os dias, tá? Você vai ver, ou melhor, ler!
Sobre como deixar esse blog mais atraente e, principalmente, mais visitado (se bem que uma coisa está ligada à outra, né? È como Tostines! Mais visitado porque é atraente ou atraente porque é mais visitado? Hã? Me conta?) eu também não sei o que fazer. Isso porque, assim como Chiquito, sou publicitária e, pior, REDATORA!!! Mas eu tenho uma boa desculpa... Ontem eu estava lendo um livro que meu amigo redator Nando Bosco emprestou do Zeca Martins que diz que redator é aquele cara para quem escrever é muito mais difícil do que para todas as outras pessoas que não trabalham com isso. Olha que maravilha! Portanto, caros amigos cibernéticos, cobrem muito mais postagens do Chico que minhas, ok?
Bom, mas para começar a era das atualizações diárias desse blog, vou usar um texto que anda rodando aí pela internet sobre o filme do Cazuza (aliás, Daniel de Oliveira, se um dia, por acaso, você visitar esse blog, saiba que sou sua fã!) e que o Chico mandou para mim e eu respondi. Como ele disse que gostou muito da resposta, segue abaixo o e-mail e a minha resposta. (Ah! Nós assistimos ao filme no cinema, logo na primeira semana. Eu recomendo!)


FILME CAZUZA!
Relato de um pai preocupado:
"Fui ver o filme Cazuza há alguns dias e me deparei com
uma coisa estarrecedora. As pessoas estão cultivando ídolos errados. Como podemos cultivar um ídolo como Cazuza. Concordo que suas letras são muito tocantes, que sua músicas tinham balanço , mas reverenciar um marginal como ele, é, no mínimo, inadmissível. Marginal, sim, pois Cazuza foi uma pessoa que viveu à margem da sociedade, pelo menos uma sociedade que tentamos construir (ao menos eu) com conceitos de certo e errado. No filme, vi um rapaz mimado, filhinho de papai que nunca precisou trabalhar para conseguir nada, já tinha tudo nas mãos. A mãe vivia para satisfazer as suas vontades e loucuras.Nunca! teve limites .O pai preferiu se afastar das suas responsabilidades e deixou a vida correr solta. São esses pais que devemos ter como exemplo? É esse jovem que queremos de exemplo para os nossos filhos ? Vivia nas orgias , nas drogas , na vagabundagem . . . e agora é reverenciado por nossos adolescentes e jovens! Cazuza só começou a gravar porque o pai era diretor de uma grande gravadora. Temos vários talentos, gente de caráter, que rala muito , mas que não são revelados por falta de oportunidade , ou porque não tem algum conhecido importante. Cazuza era um traficante, como sua mãe revela no livro, ao admitir que ele trouxe drogas da Inglaterra, e quantas festinhas regadas a essas drogas ele promoveu ? Um verdadeiro criminoso! Concordo com o juiz Siro Darlan quando ele diz que a única diferença entre Cazuza e Fernandinho Beira-Mar é que um nasceu na zona sul e outro não. Fiquei horrorizado com o culto que fizeram a esse rapaz, principalmente por minha filha adolescente ter visto o filme. Precise i conversar muito para que ela não começasse a pensar que usar drogas, participar de bacanais, beber até cair e outras coisas fossem certas, já que foi isso que o filme mostrou. Fiquei preocupado também , porque sabemos que aqui no Brasil , os malandros, os transgressores são admirados e copiados!!! Os jovens querem ter liberdade , fama , sucesso , querem transgredir , e se sentem o máximo por isso . E ainda não ter punição ! Meu Deus , a que ponto chegamos ! Será que não estamos exagerando ? Será que não está na hora de crescer , de melhorar , de mostrar pros nossos filhos e lá fora , que nós temos coisas e pessoas infinitamente melhores pra cultuar e pra mostrar do nosso país!!! Por que não são feitos filmes de pessoas realmente importantes que tenham algo de bom para essa juventude já tão transviada? Será que ser correto não dá ibope, não rende bilheteria ? Será que não deveríamos exigir mais qual idade ? Será que não deveríamos! boicotar esses filmes que só dão maus exemplos e denigrem a imagem do nosso país ?Como no comercial da Fiat, precisamos rever nossos conceitos, só assim teremos um mundo melhor. Devo lembrar aos pais que a morte de Cazuza foi conseqüência da educação errônea a que foi submetido. Será que Cazuza teria morrido do mesmo jeito se tivesse tido pais que dissessem NÃO quando necessário? Lembrem-se, dizer NÃO é a prova mais difícil de amor. Não deixem seus filhos a revelia para que não precisem se arrepender mais tarde. A principal função dos pais é educar, é a base ! Não se preocupem em ser amigo de seus filhos. Eduque-o e mais tarde ele verá que você foi a pessoa que mais o amou. Que você foi, é e sempre será o seu melhor amigo, pois amigo não diz SIM sempre."
Pensem nisso !!!

Resposta:

Interessante esse e-mail. Esperado. Na verdade, acho até que demorou um pouco para aparecer alguma coisa assim (eu, pelo menos, não tinha visto nenhum até agora).
Vamos por partes.
Com toda a certeza do mundo, não é esse tipo de vida que eu quero para um filho meu. Não é esse tipo de comportamento. Mas também não é esse tipo de educação que pretendo dar a ele. Acho até que, quando assistimos ao filme, na saída do cinema, eu comentei que ele (o Cazuza) era muito mimado. Comentei até que era uma pena um cara com a capacidade dele se afundar daquele jeito. E é aí que entram alguns comentários sobre a classificação que o e-mail que você me mandou dá para o Cazuza.
Marginal: sem dúvida! Mais do que à margem da sociedade, ele vivia fora da realidade.
Acho, sim, que ele era uma pessoa admirável em sua arte. Veja bem, em sua arte, em sua área.
Não concordo com o modo de vida que ele levava (como já falei antes), mas não posso simplesmente fechar os olhos para o que ele nos deixou. Por isso acho um pouco complicado julgarmos quem o admira, ou então devemos admirar apenas os santos (que só viram santos depois de pesquisas sobre suas vidas... Aliás, o Vaticano não santifica, beatifica ou “qualquercoisaica” ninguém que está vivo, justamente porque todos somos humanos e, por isso, passíveis de erros. Mas isso também não significa que os santos não tenham errado... São Paulo, por exemplo, antes de se converter, perseguia os cristãos... Mas essa conversa fica para uma outra vez). Enfim, acredito que esse pai, que escreveu esse e-mail, ou qualquer outra pessoa que se valha desses argumentos para repudiar o filme ou o próprio Cazuza, talvez não tenha se atentado para alguns outros mitos, muitos considerados “cult”, que estão por aí, e que talvez sejam mais contraditórios ou maus-exemplos que o Cazuza.
Karl Marx, por exemplo, famoso por seu idealismo, tem escrito em seu túmulo a famosa máxima “Proletários de todos os países, uni-vos!”. E muito bem escrito. Uni-vos!. Marx nunca trabalhou. Foi sustentado pelo pai até que se casou e passou a ser sustentado pelo sogro. Se sua vida e sua luta não estivessem tão em oposição, em seu túmulo poderia estar escrito “Proletários de todos os países, unamo-nos!”. Salvador Dali, o maior dos surrealistas, tinha um ego maior do que os de todos os publicitários somados! Vamos para um mais atual... Chico Buarque de Holanda. O cara é o maior alcoólatra da paróquia! Isso sem contar a parte de violência doméstica (A Marieta Severo que o conte!).
Sobre o filme... Será que a idéia era cultuar a vida do Cazuza? Digo, quantos outros filmes não existem à la Christiane F? Porque, se formos ver bem, o filme Cazuza O tempo não pára mostra exatamente uma vida desgraçada. Com fama e sucesso, sim, mas até quando? E a que preço? E outra: Será que podemos subestimar a capacidade de pensar das pessoas? Cinema é arte (a sétima!), e a arte não é também usada para fazer pensar? Tirar nossas próprias conclusões a partir do que nos é mostrado? Além disso, é um filme biográfico. Se a proposta é mostrar a vida do cara, não podemos fantasiar sobre ela. A vida da ginasta nota 10, Nádia Comaneci, também virou filme. O filme também mostrou a decadência da menina. Drogas, crises de estrelismo. E aí? Vamos simplesmente ignorar essas pessoas? E quantos anos tem esse pai, que escreveu esse e-mail? Ele é da época dos Beatles? (quem nunca ouviu que Lucy in the Sky with Diamonds é uma apologia ao LSD?), ou dos Doors? Janis Joplin? A mulher dele acha o Marcelo Antony bonito? Assiste a novela? E viu o Jornal Nacional?
Tudo bem, talvez se eu fosse mãe de um adolescente eu olharia o filme com outros olhos. Mas esse argumento também serve para que eu levante um pouco mais uma bandeira que defendo: a da conversa. Franca e aberta. Claro que pais devem impor limites, mas não devemos simplesmente esconder as realidades diferentes das nossas. Eu acredito tanto nisso tanto que faço dessa idéia um princípio. Afinal, acredito que esconder a realidade e repudiá-la é uma forma de intolerância. Se é para pregarmos a ignorância sobre as diversas formas de pensamento, deveríamos, então, viver em guetos. Michelangelo era gay. (eu não considero isso errado... não tem comparação com a vida podre que o Cazuza levava. Mas nem todo mundo pensa como eu... Inclusive a própria igreja. E aí? Vamos demolir a Capela Cistina?).
Acho que, mais que respeito a essas pessoas que levam a vida de um jeito diferente do nosso, devemos respeitar a capacidade de raciocinar das pessoas, dos nossos filhos, ou ajudá-los a desenvolver essa capacidade.
Tudo isso que eu falei não é uma defesa do Cazuza, do filme, etc, nem uma crítica ao pai que escreveu esse e-mail (que, por sinal, pensa igual ao meu!), é só um exercício de argumentação que eu tô fazendo. Só uma exposição de algumas coisas que penso. Que, claro, estão abertas a novas idéias e novos argumentos, sejam contra, a favor ou simplesmente diferentes.
Agora me fala você o que você pensa de tudo isso?